31 out 2025
Mudar a mentalidade e a estrutura é fundamental para trazer a criatividade ao centro da aprendizagem, aponta autor do conceito de aprendizagem criativa
Existem duas dimensões que são fundamentais para mudar a educação: estrutura e mentalidade. Quem faz essa afirmação é o pesquisador do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) Media Lab, Mitchel Resnick, autor do conceito de aprendizagem criativa e criador da linguagem Scratch.
Quando se trata de investir em maneiras de tornar os estudantes mais criativos, curiosos, conscientes e colaborativos, esses dois aspectos são, para o pesquisador, muito importantes.
Durante sua participação na 5ª Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa, promovida pela RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa), Mitchel afirmou que muitas pessoas veem o aprendizado e a educação primariamente como uma simples transmissão de instrução e informação, e essa percepção precisa ser modificada.
Do contrário, os 4 C’s preconizados (criatividade, curiosidade, consciência/cuidado e colaboração) na aprendizagem criativa não serão inteiramente efetivados. O pesquisador reconhece que não é uma tarefa fácil, e que será necessária a atuação de diferentes envolvidos na educação. “Se quisermos transformar o sistema, precisamos mudar a maneira como gestores e formuladores de políticas educacionais enxergam a educação. Eu sei que isso não é fácil”, observou.
A outra dimensão é de nível estrutural. “Também precisamos mudar as estruturas que, nas escolas, muitas vezes criam barreiras: barreiras entre idades (as crianças mais novas não convivem com as mais velhas), entre disciplinas (linguagem separada de matemática, separada de ciências), e até entre a escola e a comunidade”, explicou o pesquisador.
Como exemplo de maneiras inovadoras de quebrar essas barreiras, Mitchel apresentou a abordagem Reggio Emilia, que coloca a criança no centro do processo de aprendizagem e valoriza a escuta, a sensibilidade e as múltiplas formas de expressão.
Desenvolvida no período pós Segunda Guerra Mundial, a abordagem surgiu a partir de um desejo de famílias trabalhadoras de transformar o cenário de destruição deixado pela guerra em esperança. Para isso, ergueram escolas comunitárias usando tijolos recuperados e outros recursos improváveis como a venda de cavalos, caminhões e até tanques de guerra abandonados.
“Em Reggio Emilia, por exemplo, vimos as crianças da educação infantil colaborarem com a comunidade para criar a cortina de um teatro de ópera. Este é um exemplo inspirador de como a escola pode se conectar à comunidade, envolvendo as crianças em algo significativo para todos, ou acolhendo membros da comunidade na escola para compartilhar saberes e experiências.”
Ainda sobre as estruturas, Mitchel ressaltou que pequenas mudanças podem ter grande significado, como, por exemplo, a alteração da maneira como os horários das aulas são estruturados. “É difícil trabalhar com projetos criativos quando o dia é fragmentado em períodos de 50 minutos e cada aula é sobre um tema diferente. Mas talvez se possa, por exemplo, estender o tempo de aula um dia por semana, ou reservar as tardes para atividades mais longas e integradas. Pequenas mudanças podem abrir caminho para transformações maiores”, disse.
Para ele, essas mudanças estruturais também serão sentidas na mentalidade, como se uma coisa puxasse a outra.
Tecnologia e criatividade como suportes de aprendizagem
A palestra de Mitchel foi mediada por Leo Burd, pesquisador do MIT Media Lab e presidente do conselho da RBAC. Na ocasião, Leo reforçou que a tecnologia, por si só, não é capaz de fazer transformação, quem faz são as pessoas. É nesse cenário que surge a aprendizagem criativa.
Nesse contexto, é indispensável mencionar o Scratch. Criado por um grupo liderado por Mitchel no MIT, o aplicativo é um fenômeno global, com mais de 150 milhões de usuários e 1 bilhão de projetos criados.
Para seu criador, o mais importante não é a quantidade, e sim a diversidade. Ele defendeu o conceito de “paredes largas” (wide walls), que significa oferecer múltiplos caminhos para que pessoas com diferentes interesses e origens possam encontrar sua voz, o que ele considera ser possível com a ferramenta.
A presença da diversidade, do ponto de vista do pesquisador, é uma constatação de sucesso. Se houvesse uniformidade nos projetos, isso seria um sinal de fracasso. A variedade indica que as crianças estão usando a ferramenta para expressar suas próprias paixões e ideias.
Ao exibir depoimentos de estudantes que usaram a ferramenta, ele destacou a fala de uma estudante da África do Sul. Em seu depoimento, ela não descreveu o Scratch como uma ferramenta para aprender a programar ou resolver problemas, mas como algo muito mais pessoal e profundo: um diário.
O pesquisador do MIT elogiou essa metáfora, destacando o quanto ela pode ser poderosa ao mover a tecnologia para um lugar de reflexão e organização de pensamentos, deixando de ser só uma ferramenta para executar uma tarefa pré-definida.
Fonte: Porvir
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