Dados do Saeb mostram recuperação lenta após a pandemia, que só agravou problemas crônicos da educação nacional, como a defasagem do ensino médio e da formação em matemática
A pandemia foi a maior ruptura educacional da história mundial. O Brasil ainda viveu uma crise dentro da crise, pecando por falta e por excesso. De um lado, o País teve o azar de ter no comando do governo federal um presidente negacionista e negligente com a educação. É um recorde difícil de bater, mas o Ministério da Educação (MEC) concorre ao título de pasta mais desorganizada e incompetente da gestão de Jair Bolsonaro. Em quatro anos foram cinco ministros, menos preocupados com instrução do que em transformar o MEC numa trincheira de guerrilhas culturais. Por outro lado, por excesso de zelo ou simples comodismo, o Brasil foi um dos países que mantiveram as escolas fechadas por mais tempo no mundo.
Com a edição de 2023 do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), pela primeira vez foi possível analisar em detalhes o efeito da pandemia sobre o desempenho de alunos do ensino básico. Um levantamento do Todos pela Educação revelou que em 2023 a aprendizagem média dos estudantes ainda não tinha voltado aos patamares de 2019. Projetando-se a trajetória ascendente, não é impossível que hoje já tenha voltado. Mas o ritmo lento preocupa. Além disso, desigualdades educacionais já evidentes antes da pandemia persistem e em alguns casos se aprofundaram, com diferenças marcantes entre estudantes de redes públicas e privadas, entre diversos grupos socioeconômicos e entre unidades da Federação. No caso das desigualdades raciais, em 2023 elas foram maiores que em 2013.
O estudo buscou ainda enquadrar o impacto da pandemia no contexto mais amplo da evolução da educação nacional nas duas últimas décadas. Nessa perspectiva, houve avanço relevante, mas longe de suficiente, no porcentual de estudantes com níveis de aprendizagem considerados “adequados” conforme os critérios do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes.
Os índices de sucesso se mostraram decrescentes à medida que se avança nas etapas da educação básica. Entre os alunos do 5.º ano, por exemplo, em 20 anos o porcentual com nível de aprendizado adequado em português cresceu de 21% para 55% e, em matemática, de 11% para 43%. No caso dos alunos do 9.º ano, as elevações foram menos expressivas: de 15% para 36% em português e de 9% para 16% em matemática. No ensino médio, a elevação em português foi a menor dos três níveis: 13 pontos porcentuais (de 19% para 32%). Em matemática, houve retrocesso – de 5,8% para 5,2% –, ou seja: o Brasil conseguiu piorar o que já era péssimo.
Assim, é possível distinguir dois desafios críticos e persistentes para a educação básica: em termos de estágios, a formação no ensino médio; em termos de disciplinas, a formação em matemática. Nesse último caso, o tamanho do problema é evidenciado pelo desempenho das escolas particulares. Em geral, alunos do ensino privado têm resultados gerais razoavelmente próximos dos de seus pares nos países desenvolvidos e superiores aos de seus conterrâneos nas escolas públicas. Na matemática, a defasagem é geral: pior nas escolas públicas, mas ainda assim muito ruim nas privadas.
No mundo da revolução industrial 4.0, esse é um problema estrutural grave não só para a evolução pessoal dos alunos, mas para o desenvolvimento socioeconômico do País. Como mostrou um estudo da Fundação Itaú, trabalhadores em ocupações que usam muita matemática têm maior nível de escolaridade, menor taxa de informalidade e melhores salários que a média. A defasagem no ensino de matemática tem plausivelmente uma relação direta com a queda acentuada de matrículas nas graduações de Engenharia – segundo o Instituto Semesp, só em Engenharia Civil houve diminuição de 51% desde 2015 –, na contramão de países como Coreia do Sul, China ou Estados Unidos, que investem pesadamente nesses profissionais visando à criação de infraestruturas e novas tecnologias.
Mais do que sintoma da má formação em matemática, o encolhimento do número de estudantes de Engenharia é emblema de um país que a duras penas e com atraso – como evidencia a lenta recuperação pós-pandemia – compreende a importância da educação para construir o futuro.
Fonte: Estadão
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